(Levo a mão ao bolso). Tiro o alperce.
Descasco o alperce. Uso a faca na minha mão direita. sinto o suco do alperce a passar em gotas , colados à mão. à face da mão. Viscoso. Sinto a semente atrás da carne. a palpitar contra o ar.
Viro o alperce na mão. Amarelo e escuro, negro, rodado, a visão vai atrás. o alperce arrancado da casca cortada peluda. A carne oxida, a faca fica doce, peganhenta. O alperce gira-me nas mãos. é descascado sem ordem, sem técnica, com a faca a cortar, em linhas, a arrancar a casca peluda., amarelo-torrado. A escuridão segue o alperce para dentro,o alperce fecha-se sobre si. É só um alperce, é só uma fruta, e eu estou imóvel. Só com um alperce e uma faca na mão. Um alperce semi-descascado. Um alperce com o sumo pegajoso e doce, por descascar todo. E há, há a vontade de o comer, ou não comer. pegar-lhe na casca palpitante e ver os desfiladeiros vermelhos pela sua superfície, bocados de fruta arrancados no coração morto de um gigante
Um alperce
O coração, arrancado. A faca ainda na mão;, o sumo a escorrer agora, pela lâmina da faca. Oco por dentro, por descascar; a enrugar-se contra a força das minhas mãos, a. Ser arrancado da sua semente dura e escura, e vermelha, com sulcos e antipatias silenciosas, grande, desprezada,, a casca por tirar, doce.
(Alperce), entre comer e não comer.
Ou olhar e não olhar. Imaginar que se suicida, foi algo um dia, casas e conversas, percorreu o cosmos, acabou numa cozinha, chorou de desespero quando imaginou que os seus sonhos não se iam realizar, amou de mais, sofreu de menos, passeou-se por terras que não lhe diziam nada, que não explicavam o seu nome, a sua idade, fez viagens com um credo invisível por engolir na boca. Suspenso na minha mão, a semente arrancada do seu interior. Descartável, um alperce. Paisagens de negro no seu interior, pesadelos de veludo nos confins dos seus horizontes mentais, fechados, por dentro e dentro, sem conhecer ciganos, sem saber a língua que fala, a provar o fresco ácido da noite, as conversas a metal frio e salivar nas filas de espera nos serviços públicos em edifícios beges e verdes, amarelos baços, com luzes trocadas, sempre os mesmos filmes no cinema sempre as mesmas caras nas ruas que o prenderam a casa, vomitando num cesto de palha quando o arrancaram da árvore, a ler demasiadas notícias inúteis, irmãs boas de amigos que não pode ter, paixões assassinas nos olhos por idiotices que não pode explicar, nuvens que nunca compreendeu, a vê-las, passar, enquanto caiam as folhas, se entregam os dias ao fim, espanta sítios onde há homens feitos de ouro e as lanças velhas têm potros.
Um Alperce
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