Chegar aqui passado tanto tempo é como chegar a uma casa onde passámos a infância, abandonámos subitamente, e uma geração depois regressamos, sem que nunca mais tivesse sido habitada; e os móveis deixados todos para trás, como ficaram, e as cadeiras deixadas ainda por arrumar como se tivéssemos tido pressa, como se não tivesse havido tempo para preparações antes da partida súbita. E agora o ar está morto e todas as partículas de pó assentaram, e a casa tem teias de aranha na parte superior e inferior das esquinas e tudo repousa, demasiado imóvel, por entre o ar cinzento, quando abrimos a porta; e ainda mal podemos acreditar. Paramos quando finalmente entramos, como dizia uma geração depois (e)vemos a casa, tal qual como nos lembramos e simultaneamente tão igual e tão diferente. Um já artefacto do passado transportado para o presente vivo. Ou talvez sejamos nós que estamos diferentes e não a casa, ousamos pensar. A casa está exactamente igual. Percorremo-la deixando com os sapatos marcas de pó no chão com a sua forma. Sim, ainda está tudo aqui, pensamos, mas quase que ousamos não tocar em nada. Observar apenas, calcular quando será a altura certa para tomar a primeira medida para a trazermos de volta à vida - torná-la de novo nossa, torná-la presente. Qual será o primeiro gesto, a primeira tomada de atitude. Futilmente, ensaiamos os primeiros passos - rearranjar um jarro que não se encontrava no meio de uma mesa, endireitar um quadro com as cores insensatas. A casa está aqui e estamos aqui com ela. Fazemos parte dela de novo, mesmo que não queiramos, e volta a ser nossa de novo. Olhamos desalentados, a dada altura, percorrendo o olhar por todas as suas paredes: era uma casa muito bonita antes, na altura, quando foi construída, e era bonita e estava bem decorada. Era bem construída, mas – depois; por um capricho do destino ficou deixada ao abandono.
Será que ainda devemos ressuscitar a casa? Pegar nela e ousar encontrar-lhe valor, dar-lhe uma nova beleza e um novo brilho com os mesmos materiais e adereços e móveis e cortinas e tapetes que se encontravam na moda há dezenas de anos atrás? Ou mudamo-la desfigurando-a até onde pudermos, enterrando o seu espírito final, esquecendo a bênção que é voltarmos a encontrar-nos neste sítio que nos viu crescer e só ele nos conhece porque a ele o conhecemos - e assim partilha connosco os nossos segredos que apenas nós e ela conhecemos, cada um de nós? E quanto, mesmo assim, seremos dela quando terminarmos, não estando ela irremediavelmente no passado?
Aperta o calor ou o frio, já não estamos novos. Sentamo-nos numa das cadeiras perdidas - e, por agora, limitamo-nos a contemplar tudo o que um dia construímos e deixámos para trás.
Uma casa é sempre só uma casa.
2 comentários:
eu gosto desta casa.
e fico contente por poder voltar a ela ao fim de tanto tempo. já tinha saudades.
se a casa for nossa podemos com ela fazer aquilo que quisermos :)dar-lhe um novo arranjo ou restaurá-la com as vestes do passado... mas tudo apenas se ela tiver algum valor para nós...
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