Onde está a certeza de uma tristeza que terá fim?
Onde está o doce sentimento de indiferença perante a partida do passado?
Lembro-me da primeira casa onde morei. Contrastava com a minha falta de conhecimento perante o difícil da vida. Não conhecia nada. Não conhecia a perda nem a frustração. Só os desenhos animados, e o dia que vinha a seguir ao outro.
Era uma tela em branco, na praceta da Damaia.
Não me lembro da chuva quando era mais novo. Pelo menos, não quando viva na Damaia.
Lembro-me de uma varanda alta, onde não conseguia espreitar para nada, só para a janela do terceiro andar do meu vizinho, no prédio em frente.
Gritava por ele André!, André!, e muitas mais vezes que ele aparecia a avó à janela a dar-me conta de onde ele andava. Descíamos e íamos brincar. Não me lembro ao que brincávamos os dois.
O meu pai pegava em mim e mostrava-me um quintal lá em baixo, que fazia parte do nosso prédio. Raras vezes lá entrei. Não me lembro.
Na Damaia não chovia, posso afiançar com alguma certeza. Quando me virava para voltar para casa, vinha um chão de madeira preta a saudar-me, com um sofá azul à direita onde, dizia-me a minha mãe, eu adormecia a olhar para as suas rendas brancas.
Era ainda demasiado pequeno. Ainda não tinha barba. Ainda não tinha olheiras sob os meus olhos azuis. Ainda não conhecera o prazer de fazer amor, a calma despreocupada a meio de uma viagem, os jantares nas tascas com os amigos onde as piadas se ouvem mais depressa do que se bebem as cervejas. E depois vamos todos lá para fora, Quem é que quer ir fumar um cigarro comigo enquanto não vem a conta?
Ainda não pegava no meu carro para ir ver o mar.
O meu pai primeiro deixava-me andar de triciclo na varanda. Depois, na rua. O chão, a estrada da praceta tinhas pedrinhas pretas e uma garagem permanentemente fechada mesmo lá em cima. as rodas de plástico do meu triciclo faziam barulho no chão. Mal andava. Havia outros rapazes. Mas não eram meus amigos, eram amigos do André. Jogávamos à bola, sem saber ainda que não sabia jogar à bola. Com que pé remataria?
Passo-te as mãos pelo corpo. Os meus pais estão fora. Faço isto quase pela primeira vez. A faculdade, a vida adulta, a escrita, as carreiras, os problemas, tudo pode esperar. As onze fazem-se quase a uma. Ponho um cd de trail of dead na aparelhagem. Volto para a cama a rir-me. Esqueço-me de desejar a repetição do momento. Esqueço-me de perceber que quando se é feliz é fácil, é tudo fácil. É tudo fácil demais. É fácil pensar que é assim porque é assim.
E a praceta, onde a deixei. Um dia voltei lá de carro. Fui almoçar com o meu pai ao restaurante de um amigo dele; lá perto. E quis regressar. O jardim decrépito (outro jardim) à direita, como quem nela entra, estava ao abandono. Vejo várias motas estacionadas numa praceta que dantes não tinha motas. Pessoas a conversar. O meu prédio, a minha casa, olha para mim em silêncio e quase me pergunta o que é que estou ali a fazer. Faço inversão de marcha depressa demais. Vou-me embora. Não volto lá mais.
Volto para a minha outra casa. Estou a preparar a mudança porque vou morar sozinho, com um amigo. A namorada apoia. Tudo se conjuga. A minha perna esquerda é só a minha perna esquerda. Nessa noite vou tomar café junto ao mar.
Olho para a noite, e cada onda que rebenta é uma memória.
Abraço-te/Beijo-te. Sou feliz. É fácil, penso.
A minha perna esquerda concordava.
4 comentários:
***** (voltei a reinstituir as estrelas. deal with it).
cinco?! heh lá. Vou tentar melhorar para a próxima. Merci!
'tá bonito.
obrigado segundo anónimo.
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