Hoje
vi um gajo à entrada do metro com uma máquina de escrever; eu passei por ele de
fato, sobretudo e gravata. “sou viciado em escritos”. Sentado de pernas
cruzadas no chão, como eu faço, pelo canto do olho papelinhos dobrados dentro
de copos. Huh-huh. Boa ideia pensei, boa ideia pensou o gajo de fato e gravata
a andar devagar por causa da chuva, boa ideia, se um metro chega de 7 em 7
minutos e de 7 em sete minutos saem umas quarenta ou 50 pessoas da estação e se
cinco ou seis te derem uma moeda é um papel por minuto, escrito freneticamente
e pelo menos portanto cinco ou seis boas ideias retiradas do éter e
liquidificadas em tinta, tudo bem. Era um bom exercício. Chegar e sentar-me com
o cu no chão e sacar da minha máquina de escrever que não tenho e começar a
escrever, a cabeça gradualmente a baixar-se cada vez mais e a ignorar as
pessoas que passavam e agradecendo com um sorriso as moedas; 20, 30 euros por
dia se fosse variando as estações? Bem capaz, limpos, brutos, sem serem
dedutíveis nos impostos. Depois vem aquele momento de nojo e medo, estás tu
muito bem a escrever e aparece-te (a meio do dia, na estação, está-te tudo a
correr bem não o esperas de todo) um tipo qualquer da faculdade onde andaste
que pára à tua frente sem ter bem a certeza se és mesmo tu, quer dizer como é
que é possível e hesitam um pouco antes de dizerem, a sorrirem com uma
incredulidade indisfarçável João…? És tu ou Que é que que estás aí a fazer?, e
depois tu tens que lhe(s) explicar que não a sério, por mais que sorrias, que
digas Isto foi mesmo uma escolha ninguém te vai perceber, mais uma vez
considerado maluquinho e um tipo que vai ser sempre um falhado na vida pela
forma como escolhe enfrentá-la e tu não estás sequer para explicar pela
centésima, milésima vez que foda-se qual é o mal de se ter um pouco de
confiança nas pessoas e ignorar o resto; que só é preciso um pouco de carinho e
que escrever – que só quero fazer escritos porque Sou Viciado em Escritos e
faço até tipo 20 ou 30 euros por dia e devia ser considerada uma coisa tão
honrosa quanto andar por aí a olhar-se para um pc no escritório e fazer piadas
junto à máquina de café, o céu num vórtice, as nuvens a gritar mas ninguém as
ouve, e por vezes penso nisso e mais do que não poder viver a vida toda a
escrever coisinhas em papéis dobrados em copos de plástico fico triste por
saber que ninguém vê o céu azul, por vezes, a engolir a cidade, ou as nuvens a
girar e a gritar e o Sol a escorrer pela tela lá em cima, sem suspirarem por
voltarem a entrar em edifícios que conhecem. É um bocado fodido.
Isto
de escrever.
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