segunda-feira, 16 de junho de 2014
Visite o Andar Modelo
O prédio é grande, por estrear, e ergue-se acima dos outros prédios mais de umas boas duas dezenas de metros. No meio de uma das fachadas virada para a rua mais movimentada, um cartaz: "Visite o andar modelo". As pessoas, interessadas, aproximam-se do piso térreo com a porta de entrada, de vidro, encostada, e um funcionário lá dentro sentado numa mesa com papéis dentro de capas de papel, olhando para as latas de tinta encostadas à parede do outro lado, e perguntam se podem ver o andar modelo. Sim, sim, claro que podem, responde-lhes o funcionário, esticando as pernas antes de se levantar e tirar um pequeno molho de chaves de uma das gavetas. Sobem pelo elevador até ao sétimo andar, o elevador pára, as portas de metal abrem-se, e entram para o corredor. E então, perguntam os visitantes, Onde é o andar modelo? É este, diz o funcionário, olhando medianamente aborrecido de um lado para o outro, e ligando um dos interruptores, É este o andar modelo. Não há uma casa para ver, nem nada?, perguntam os visitantes. Não, responde o funcionário. Este é o andar modelo. Está aqui, é este. É aqui. É isto. É o andar modelo.
domingo, 15 de junho de 2014
Muralhas
Se és
um alvo, eu sou uma seta. Ah, fácil, não é? Tu queres açúcar, eu quero sangue.
Carinho/sexo, com a possibilidade de irmos escolhendo as nossas próprias lutas e
os nossos ódios de estimação. Eu só quero ir pernoitando nas confusões que
existem nas possibilidades mais remotas de vários seres humanos. Eu conheço-os,
mesmo de longe. Já tu: tu queres deixar os anos passar por ti com o
contentamento que o teu corpo vai recebendo inexoravelmente como o vento.
Quando
não te conhecia, houve uma outra pessoa que me acompanhava nos meus delírios.
Um erro fatal: não éramos iguais, embora a sede fosse a mesma. O único caminho
possível – um devorar o outro. Respirar o ar frio da madrugada foi o suficiente
para fugir enquanto pude. Mas o que quero eu, mesmo, na verdade? Perguntava-me.
Quem sou eu? Em quem me vou encontrar?
É
tudo uma questão de sorte, como sabes; a mesa de café certa, o amigo do amigo
providencial, a viagem inescapável da qual se regressará eternamente mudado.
Sabemos a nossa história, não a repetirei aqui. Talvez os dias continuem a ser,
para ti, uma pergunta tão grande como para mim. Mas entender-me-ás quando te
jurarei que não acredito, propriamente, em mim, mas acredito na possibilidade
infinita em apagarmos as chamas da solidão um do outro? Bom, enfim; haverá
talvez um casamento, talvez filhos, crianças, marquem o compasso dos nossos
suaves rodopios, e as carreiras que nos separarão o suficiente para nunca
acharmos que já conhecemos todos os olhares que lançamos um ao outro. Ou talvez
não haja nada disso. Talvez tudo falhe, e o nosso grande entretanto seja
suspenso pela realidade verdadeira. Os ladrões de sonhos voltem, todos os dias,
mais fortes do que nunca, e só possamos escapar fugindo às nossas almas
prisioneiras um do outro. Sim, é possível.
Mas!
Mas. Como sabes, o espaço-tempo é contínuo; não é uma linha, é um fluido. E
vejo-me aqui, já, neste momento, contigo, num outro lugar, daqui a uns ínfimos
vinte, trinta, quarenta anos, o corpo cansado das batalhas que escolhemos.
Açúcar e sangue, cabelos e luz, sofreguidão; carinho. Parece-me ser mais
possível do que eu, apenas eu, num qualquer futuro possível.
A
história prossegue, prossegue, prossegue
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