quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Arakuine, Parte final.

A cidade nunca chegou a ser encontrada. foi falda em poemas, sussurrada a ouvidos desatentos. escrevinharam-se paradeiros possíveis em papéis febris entre escombros de mesas. Era um lugar, isso é certo. inventado ou já desaparecido, a sua busca era mais importante do que encontrá-la. e o destino de todos os que a quiseram achar foi só o fado inevitável do fracasso. Arakuine nunca foi encontrada e nunca fora suposto ser encontrada. era só a cidade, a ideia de uma cidade, enterrada pelo mar ou dissolvida pelo verde febril de uma selva, reduzida a sal e areia pelo sol e vento dos desertos. reduzida a fundações por tribos de nómadas que, do queretiveram dela, apenas a passaram de boca em boca. enlouqueceu homens com promessas da sua impossibilidade. lá dentro está a cura. para o teu desejo de fuga, para o teu desejo de respostas. para a tua doença sem nome. e quem a procurou enlouqueceu com a busca. ou morreu fraco demais para continuar a procurá-la. quem a encontrou, se a encontrou, foi devorada por ela até ao dogma do silêncio. da invisibilidade, como ela. do segredo dos sítios entre outros sítios, ou atrás deles. Mas: só conjecturas, como sempre. a memória de arakuine morreu enquanto o desespero dos homens aumentava. e se a cidade nunca tivesse existido, e se afinal tudo fosse uma enorme mentira? e os homens começaram a desistir de a procurar ao invés de morrerem a tentarem chegar ás suas portas. as imagens gravadas na pedra perderam o seu significado. os motivos dos frescos ficaram mais pobres. os balões, no ar, e os staélites, no espaço, nunca a poderiam encontrar ou daremconta do seu paradeiro. como poderiam? a história da cidade era contada apenas a quem já a procurava antes de saber que ela existia. já falava com eles numa lingua que ainda não compreendiam. os ecos distantes da sua presença desvaneceram-secom o cansaço os homens. indiferente, agora, a cidade perdera o seu propósito: ser encontrada.

e foi aí que finalmente desapareceu.

Fim.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Faux Pas

ainda hoje faço coisas das quais sinto vergonha. coisas simples - sociais, faux pas, a maioria delas. ter dito algo a mais, ser mal entendido, sentir que as pessoas simplesmente não gostaram do que disse. what was that all about? aquela sensação de desagrado que se sente nas pessoas após algo que tu disseste mata-me. depois queres remendar de alguma maneira as coisas; sentes-te, claro, completamente impelido a isso, mas como fazê-lo sem falares ainda mais? dizeres ainda mais uma frase que te permita, em simultâneo, corrigires o que foi dito, reconquistares as pessoas das quais perdeste para sempre um pedaço, e ao mesmo tempo manteres o teu cool, a tua verve? é quase impossível e ainda assim arrisco. Depois colho os despojos da pequena guerra que só eu criei, combati e perdi comigo mesmo, e decido não falar ou interagir com essa pessoa durante o tempo que considero necessário até que ela me veja de novo como uma tabula rasa - antes, claro, de voltar a abrir a boca conquistando-a com a normalidade das minhas ideias ou perdendo-a parasempre para o reino da inconveniência, na qual sou um rei com o ceptro da estranheza e o manto da "és estranho, meu!", com uns bons sete metros de tamanho o que fica ainda pior quando o teu cabelo está grande demais e não tens tempo ou medo para o cortar.

sinto-me tão mal que depois acho que tenho que mostrar obra que me valide enquanto pessoa. escrever algo do caralho! e sentir-me bem comigo mesmo. olha-me para esta merda genial que escrevi, ? onde está essa admiração? o que vejo na tua cara que lê o que escrevi, é a confusão que se instala em ti perante este tipo que achavas estranho mas que consegue escrever das melhores linhas de prosa que alguma vez já leste? oooh sim, sou eu, pois. tudo na boa, eu não levo a mal o teu desconforto bacoco - e claramente partindo de premissas erradas - que sentias quando estavas ao pé de mim. todos erramos, certo? e eu de facto ás vezes digo coisas estranhas mas isso é porque sou enfim, não excêntrico mas um pouco peculiar,e não há algo de também adorável nisso? hã (até estou giro hoje)? Ou isso ou voluntariado. isso justificaria muitas coisas que acho que precisam de ser justificadas - sim, fui muito desagradável contigo; mas logo à noite vou estar a dar de comer sopa a mendigos que cheiram a cães molhados. e tu? mas fazer voluntariado dá trabalho. e, infelizmente, uma grande parte de mim queria verdadeiramente fazê-lo, mas como as coisas andam na minha vida, de momento, acho que já faço voluntariado a mim mesmo quando me dou de jantar todos os dias. "conservas com massa e enlatados, fuck yeah! jantar dos campeões. outra vez.", é impossível não se entender esta lógica.

Mas escrever não é imediato. dá trabalho, e é um trabalho silencioso. e quando acabo por calar o mundo todo durante os dias da semana e penso naquilo que escrevo na cabeça e depois largo - podem ir, as palavras, que interessa. são só palavras. quando acabo por calar o mundo esqueço-me que ainda estou em falta para com essas pessoas. que ainda está na memória delas as coisas imbecis que disse. e depois eu sinto um desconforto palpável à minha volta, numa saída à noite - eu sou a bomba de desconforto pronta a explodir e, oh, ele vai mesmo drogar-se outra vez? e fico tão mal drogado, fisicamente digo, os olhos ficam automaticamente vermelhos, as olheiras ficam pretas. delicioso. qualquer mulher cai por mim na rua. rio-me, e o meu riso não é dos melhores. a cadência da minha voz atinge agudos histéricos porque há sempre mais qualquer coisa a dizer. e se quando estás lúcido mal consegues evitar falar de mais, quando estás ganzado.

no fundo eu só quero sempre que as pessoas saibam: sou um bom miúdo. não sou má pessoa. só quero que gostem de mim - ou pelo menos, que me considerem boa pessoa. um tipo com a cabeça no sítio. peculiar,sim - mas é a cena dele. lá deve ter descoberto qualquer coisa que, mesmo podendo ser inútil, eu ainda não vi, e isso fá-lo estar na vida de outro modo. de acordo com a cadência dessa verdade. daí talvez a minha tolerância para com pessoas mais diferentes. é a cena deles. depois é a minha. talvez quando chegue a casa escreva sobre isso. e possa lavar, mais um pouco, a minha alma.