segunda-feira, 27 de outubro de 2008




Quando o avião se despenhou no meio do deserto (os motores pararam, a tempestade de areia subiu e atravessou-o de parte a parte, partiu-o ao meio, e a explosão da fuselagem empurrou-o para baixo) sobreviveram apenas dezoito homens e quatro mulheres - um bom número para desastres aéreos.
A tempestade fazia-se ainda sentir e só depois de uma noite é que parou. Entretanto, nessa noite, 3 homens e uma mulher tinham morrido, incluída uma criança na categoria dos homens de quase oito anos. A mãe, uma das mulheres, enlouqueceu. A primeira noite foi passada numa confusão terrífica de areia, escuridão, e parecia que o barulho do próprio inferno a tentar reclamar a vida dos que sobreviveram. Animalescamente, juntaram-se todos durante a noite - apesar da cegueira, dos ferimentos, da escuridão e do terror quase totais, e cobriram-se com farrapos e bancos tacteados no meio da areia.
No segundo dia, tentou-se procurar comida e criar um abrigo improvisado com a carcaça do avião que sobrara, logo ali ao pé,
(Olhou-se para o céu: O Sol procurava negar qualquer esperança de humanidade reencontrada. Temos todos vidas, estamos todos aqui, e aqui estamos, reduzidos a nada, à espera de)
Para proteger as mulheres e os mais fracos.
Ao terceiro dia enterraram-se os mortos e morreram mais dois homens. Outros dois tentaram encontrar a outra metade do avião, que teria as bagagens, e quem sabe, mais sobreviventes, mas não voltaram mais portanto morreram. A água racionada acabou e a comida acabou nessa noite.
- Estamos todos fodidos! Estamos todos fodidos!
Gesticular e andar por aí a gritar gasta energia - e água. Portanto acalma-te. A mulher louca estava quase morta e um dos homens já mais velhos morreu também. Nesse final de dia o homem que tinha passado pelo primeiro momento de descontrolo destruiu o rádio que teimava em não funcionar.
No dia a seguir foi outro dos homens que perdeu o controlo e começou a chorar no meio da areia. Apanhou uma insolação e ficou bastante doente, apático, e a mulher louca morreu. O calor e falta de água estavam a matar lentamente os sobreviventes.
Um dia depois morreram quatro homens as outras mulheres e no dia seguinte morreu toda a gente.
O avião despenhou-se - uma confusão de bagagens, máscaras de oxigénio, tudo isso que se sabe mas que não se sabe de facto porque nunca chegámos a sentir joelhos em cima das nossas cabeças e uma enrome pressão no peito ao mesmo tempo que os nossos ouvidos parece que vão rebentar em sangue enquanto sabemos, que vamos morrer e que é agora, a minha vida, e de repente percebemos, A MINHA VIDA VAI ACABAR AGORA, enquanto sentimos um desespero palpável ao sabermos que não conseguimos proteger as pessoas de quem gostamos que vão ao nosso lado, se forem no mesmo avião que nós, e as janelas rebentam e entra areia do deserto fria, fria no avião, há pessoas a voar e leds vermelhos a piscarem no meio do barulho ensurdecedor, e o avião parte-se ao meio, os pilotos morrem aos comandos enquanto tentam aterrar o avião numa duna para tentar amortecer - amortecer - a queda entre a escuridão quase total que o deserto proporciona. Já há o cheiro a sangue quente no ar e ainda não se viu propriamente ninguém a morrer, mas parece que toda a gente morreu. Há pequenos incêndios, fumo, e areia, areia e vento que atingem as pessoas que ardem e sangram das contusões ou já jazem nas suas cadeiras inconscientes, algumas sem braços gritam apenas debilmente, e a noite de terror passa, mas toda a gente morre, toda a gente morre naquele avião e no dia seguinte, os que se safaram, vêm o Sol a nascer, a tempestade a acalmar, e ainda, tentando perceber e reorganizar a própria noção de estarem, por enquanto, vivos, sentem esperança.
- Achas que vamos sair daqui?
E os dois homens, António um, Nuno outro
nomes traduzidos para português
Olham para o Sol na sombra da carcaça do avião, um pouco afastados dos outros, com turbantes improvisados na cabeça e mãos a segurarem os joelhos em posição relaxada, e Nuno diz
- Sim, porque repara, já estávamos a mais de metade do deserto, e o voo não é de uma companhia qualquer, somos turistas europeus. Vão-nos encontrar de certeza.
Continua - Sabes que os computadores agora do avião - aquilo é muito bom para a nossa situação. Porque estão sempre a comunicar com a torre a dizer qual é o sítio - as exactas coordenadas, percebes, onde estamos, a esta altura já devem andar por aí os helicópteros.
- Então - e diz António, olhando brevemente para o Sol como se já esperasse ver algum vislumbre de alguns salvadores pontos negros no horizonte - quando é que achas que eles nos devem encontrar?
- Este é o terceiro dia… Mais um dia, dois dias no máximo. Eles já estão mesmo aí. Devem estar a chegar.
- Também temos sorte. Temos racionado bem… as coisas. Ainda temos água para amanhã, se tivermos cuidado, e ainda há ali umas… sandes.
- … O que eu só quero é voltar para casa. Maldito Sol.
- Se nos safarmos, vamos prometer que nos vamos ver pelo menos uma vez por ano, todos os anos. Eu vou ao teu país e tu vais ao meu. Quando nos vierem buscar.
- Sim. Eles vêm mesmo buscar-nos. Já não estávamos no meio - está prometido. Haaa, e agora - disse pondo a cabeça para trás.
- Sim - agora o Sol está a saber bem. Já não estamos no pico do calor. Enquanto as dunas, imóveis, os olhavam e serviam de paisagem, amarelas.
- …Está mesmo prometido,

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