quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O texto da Mentira

O meu nome é [TIGRE AZUL] e, aos 23 anos, estou a viver numa casa com um jardim no pântano das escuridões ocres (que nome, de onde vem) com um amigo meu - dividimos a existência com medo e a ausência - enquanto parto de manhã, quando é manhã, e desapareço enquanto conceito de pessoa.

É isto. há um silêncio - gritante silêncio - escrito, de facto, que urge - me proponho "agora" - ser apagado e acabado. os factores são diversos - paraa causa genética, calro está - mas talvez tenha sido inevitável esta travessia na perdição da realidade para agora regressar. ao fundo do mistério, hum. recomeçar, nesse regresso - que era sempre, o vejo com alívio agora, inevitável.

Foi uma era - algumas dezenas, ou muitas dezenas de anos, talvez - difícil, e só agora ouço, ou começo a ouvir com alguma clareza, onde tive de cortar e onde me degradei para poder pegar agora em mim, julgo estando no presente, e começar de novo. Acabei uma revolução, tive medo do confronto inevitável com a segunda também inevitável parte, o hipopótamo disse-me o seu nome, lembrou-me porque fugia, e - breve ou não tão brevemente - enlouqueceu-me. o rapaz coruja perdeu um pouco o tino, e a mulher que, a flor de sangue que, as salinas que, - ajudada por uma tristeza prepétua e sempre presente que a acompanha desde que a conheci - perdeu-o de vez durante algum tempo. eu, por mim, também fui enlouquecendo por onde pude, e preservei-me em tudo o resto. talvez a minha fragilidade emocional - quando digo loucura lá em cima digo loucura - tenha sido o que verdadeiramente me bloqueou, me impediu de ousar continuar. para mim ouvir não deixa - nem pode deixar nunca - de ser um exercício mentalmente desgastante, e devo admitir que muitas vezes simplesmente não me sentia capaz. foi muito complicado. resumir é querer sempre mentir, e nunca menos é ingrata a tarefa aqui. o que deixei de ouvir perdeu-se para sempre, recuperado para sempre nunca mais será e particularmente nesta oralidade suja e porca sinto que a frustração da impossibilidadeda explicação total como foi - esta longa e vasta - realidade me serásempre sentida como injusta e para qualquer outro incompreensível na maneira em que eu não quero que ela seja.

Mas sim.

Logicamente, senti que fazia falta um cheiro ou evento específico que funcionasse como catalisador. agora aqui: nestas ervas e arbustos encharcadas em água espumosa e castanha na lama preta que finalamente se materializou toda quando os meus olhos conseguiram contemplar a claridade daquele Sol distante que é tão real aqui quanto eu, e que me lembro de a ter desde muito novo - é interessante a força que os lugares podem para nós ter quando os vemos ainda antes de nós como uma extensão daquilo que somos - posso, de novo, começar. Recomeçar não, talvez. De novo começar. é uma espécie de princípio quepega em mim - de tudo o que fui - e me transporta para o aqui, agora,este exacto momento em que decido novamente desafiar (hoje: míseros) limites da minha audição.

Tenho que fugir.

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