quarta-feira, 21 de julho de 2010

Numa estrada

Pai, quero que me respondas a uma pergunta.
- Eu sou um gafanhoto - disse o pai.
- Bem vejo. - O rapaz olhava de cima para o pai que e sabia que a sua cor era verde, mas o que mais lhe fez confusão foram as antenas a vibrar. - Ainda assim, queria que me respondesses a uma pergunta.
- Eu sou um gafanhoto.
- Sim... - aborrecido.
- Não, o que eu estou a tentar dizer... - as suas patas em forma de navalha arquearam-se para o início de um salto (?) - é que não sei o que me vais perguntar. Não faço ideia. Quim, por favor tens os ténis desapertados.
- Obrigado pai - disse Quim.
Pai e filho olharam os dois na direcção da janela no momento em que um raio de Sol castanho os fez fechar os olhos. A cozinha era estática; as coisas arrumadas. A banca sem comida ou talheres. Pai e filho estavam sozinhos na casa, mas naquele momento a cozinha, atingida pelos raios do Sol a morrer - morre sempre por apenas uma noite, sim - e algo se suscitou entre ambos - essa luz? - para o pai olhar mais atentamente para o seu filho Joaquim.
E fazer um esforço - Já está?
- Sim - Joaquim tinha-se ajoelhado para apertar os atacadores e concentra-se na tarefa durante alguns momentos em que se instalou silêncio entre os dois. - O que eu te queria perguntar - Já viste o Sol.
- Não costumo dar grande atenção ao Sol.
- Eu sei. És velho.
- Não é por isso - o gafanhoto estava no parapeito da janela, por baixo do raio oblíquo de luz que entrava pela cozinha. Estavam naquela casa há mais de oito anos. já conheciam a casa de cor.
- Pai, considera esta estupidez. Vou numa estrada? Sim?
- Uma estrada qualquer.
- Uma estrada qualquer. Estou a conduzir, está seco; quando digo seco é o ar que está seco
- Mas está Sol também
- Sim, também está Sol. E súbito, vem-me uma tristeza inexplicável. Uma tristeza, dura como uma pedra - aponta para o estômago com as duas mãos esticadas na direcção da barriga - uma tristeza que vem do nada - e atinge-me. Do nada. Não sei porquê. E decido parar? Para pensar nisso? Porque de onde vem essa tristeza? O que fazer com ela? O que é isto? É... o que é a vida.
- Há quanto tempo sentes isso?
- é... - Joaquim deu uma volta sobre si mesmo e abriu os braços quando voltou à posição inicial - N... não sei. Sinto assim... No estômago...
- Certo. - Opai ficou alguns momentos a pensar, subindo e descendo as antenas o topo da sua cabeça - Olha. que tipo de estrada é?
- O tipo de estrada? é... É uma auto-estrada.
- Uma auto-estrada.
- é.
O pai ensaiou um suspiro breve - Hum.
- Pois é, pai.

É uma auto-estrada.
É uma auto-estrada.
É uma auto-estrada com pontes e viadutos e homens das obras levantando pó cinzento e reluzindo ao sol cpom os seus coletes verde ou laranja. De capacete, indiferentes aos automóveis que passam. Esse tipo de auto-estrada, em que ésó um lugar que existe para ser um lugar entre dois lugares.

Não se passa nada numa auto-estrada.
Absolutamente nada.
Numa auto-estrada.


ooooçoooooooçoooooooççooooooooooooooçççççççççççççççççççççççççççççççççççççççççççççÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇçççççççççççççççÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇççÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇÇ


Tambores tambores antes do cansaço

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