quarta-feira, 30 de março de 2011

A pedido (a gosto): uma história sem uma personagem comum a este tipo de histórias.

Estava no campo de futebol! A olhar, e eram putos, putos de doze anos, tudo de repente, a correr com a bola e atrás da bola entre os papelinhos de papel a caírem encaracolando-se no ar e o rugido de quase cinquenta mil pessoas a vibrarem com o jogo e as câmaras e os seus cameramen viravam-se seguindo a bola, e o marcador marcava o tempo perto do final, tudo empatado ou quase, não percebia bem (?), asim, no campo! Entrado. Uma atmosfera de adrenalina efervescente total. E de repente eu olho e lembro-me - Há sim, o jogo do sporting, eram putos de doze anos (os outros vestiam de preto) e, e o estádio estava cheio e era incrível todo esse rugido, o Pedro, ali está o Pedro! e o Pedro dizia qualquer coisa quando se preparava para iniciar a jogada que me tinha dito há umas horas atrás num corredor longo, onde para cada lado se via uma luz de céu ao longe, perdida agora contra o troar da multidão de todo um estádio, O que estes tipos precisam é de uma boa metralhadora para acordar isto, e mostrou-me a metralhadora preta, uma réplica perfeita e eu disse-lhe a sorrir quase de espanto pela genialidade da piada, Pedro, vais - ?, celebrar o golo com isso?, E vai disparar e tudo!, dizia-me ele,
E lá estava o Pedro a correr, sai de trás do campo e começa a correr com a metralhadora meia escondida junta à camisola e são os instantes finais do jogo e eu já percebi tudo o que se vai passar, mas os adeptos nem percebem, quase cinquenta mil pessoa começam a levantar-se não porque ele vai com qualquer coisa estranha junto ao braço, mas porque aquele gajo apanhou a bola e está a vir por aí acima passando por quatro ou cinco jogadores da equipa adversária, e sem promessas ou floreados o Pedro Bam!, com um remate, enfia a bola na baliza e o apito final automaticamente é marcado e o estádio levanta-se! E o Pedro, dono rei e senhor enquanto eu salto no relvado com todos os outros grita para a bancada Sul e mostra bem a metralhadora num braço e num rugido dispara! Dispara, dispara, dispara as balas falsas contra a plateia num momento pouco explicável em termos comparativos de algo com maior intensidade momentânea. Estava tudo ali: a sublimação máxima que um puto vai sentir de prazer repentino num só momento. O estádio enlouqueceu. As pessoas pularam, saltaram das cadeiras com gritos e abraços e outras réplicas de rugidos, os papelinhos coloridos da vitória, só podiam ser da vitória eram da vitória sabiam a vitória, continuavam a rebolar e a virarem-se no ar como uma chuva de vitória, de felicidade, e o Pedro celebrava de felicidade o golo, sendo levado em braços, já não via bem, e eu no relvado celebrava também -
Mas o olho dos adultos não fecha.
Porque é que estamos aqui? Perguntei eu ou ele, um ao outro. Estávamos numa sala com cacifos, e armários de metal, uma mesa de madeira pintada de beije no tampo, pés verdes de metal em tinta grossa, e essa mesa fazia par com cadeiras simples, escolares, e manifestava-se uma presença forte de papéis pregados a quadros de cortiça nas paredes, uma escola, etc., qualquer coisa, Estamos aqui porque, pá
Já sabíamos que tínhamos feito porcaria. A cena da metralhadora, e tal. Quase sem surpresa a professora ou educadora materializou-se à nossa frente explicando a gravidade da situação para dois miúdos sentados relaxadamente nas cadeiras juntas à mesa chegadas para trás, mas nem por isso relaxados, expectantes, Porque tens de perceber que foi algo de muito grave Pedro, teres fingido que atiravas contra a plateia de pessoas que te estavam a ver, contra os adeptos. Foi muito grave, Pedro. Sabes que foi muito grave. E as pessoas ficaram assustadas e chocadas, sentidas até - bom;, e não se pode tolerar esse tipo de comportamento. É algo que se espera ter um castigo qualquer, claro, ponderam os nossos olhos, e quando ela acaba de explicar o porquê eu e o Pedro estamos a pensar em jogos para a mega drive e jogos para o pc, dos que já vêm em cd para o computador, os bons e velhos cartuchos da mega. Vêm aí coisas menos boas, mas a ameaça da raiz de um plano que muito mais tarde vai crescer começa aí. A Atenção dos garotos é sempre pouca.

- Porque é que tu estás aqui e vens comigo? - Pergunta-me o Pedro depois da mulher sair, vestido de uma só peça ás flores, quilos a mais e óculos, tudo o resto que se possa esperar do classicismo de uma figura de professora/educadora escolar, quando ficamos sozinhos na sala outra vez, rodeados de cacifos, e armários de metal, e papéis pregados a quadros de cortiça.

- Sou demasiado inteligente e por causa disso fui considerado subversivo.

- Tinham de nos mandar para um centro de correcção no espaço?!

A viagem de foguetão não foi uma experiência grogue ou inconsciente, houve a noção de nos vestirem os fatos mas é um fato que foi esquecido nas ondas da memória, porque o foguetão já estava a ir. De repente a Terra ficava longe; mas nunca a chegámos a ver. Não havia janelas para isso.
(Todos queremos andar num foguetão como o do Tintim).
Mas era na Lua, isso sim, esse centro de correcção, no espaço como o Pedro podia, também, bem dizer. Não era, sem dúvida alguma, qualquer tempo para um festival. Apenas as estrelas pareciam querer voar, quase estáticas, excepto o sempre constante tremelujar. Eu e o Pedro vimos as estrelas e o vazio no céu do Universo num corredor entre duas zonas, separadas por paredes altas, azuis escuras de metal, mas a cúpula era transparente, e víamos o espaço. Que centro de correcção é mesmo este? Ok, é um centro de correcção; no espaço. Mas estamos no espaço (pode ser grave por ser no espaço, mas estamos no espaço: e esta não é uma história má).
Ainda assim, os miúdos não gostavam. Falava-se de histórias de fugir; de alguns alunos que, apesar de não conseguirem fugir, conseguiam iludir os outros formadores e correctores adultos escondendo-se nos esconderijos e florestas artificiais de sucata dos materiais de construção deixados a meio, entre o arvoredo denso das matas hidropónicas cultivadas na Lua, dormindo dentro de caixotes de lixo antisépticos e secos, dentro das tubagens da ventilação de ar, alguns dizia-se, mesmo já tendo cometido a façanha - ou cometendo ainda - de dormirem em esconderijos dentro da própria zona dos adultos, camaratas e tudo, onde sempre é mais confortável e há televisão com programas diferentes e computadores com programas que os normais que - quando nos deixam - mexer não têm. Mas há muitos esconderijos e coisas, e essas histórias abundam. De miúdos que arriscaram esconder-se e não voltam a aparecer enquanto não conseguirem voltar à Terra. Certinho que alguns conseguiram surripiar qualquer manual que os ajuda a pilotar um foguetão, ou um dos vaivéns que costuma atracar na doca grande, abrindo-se as portas à sua chegada, mas sair, sair mesmo? Zero! E eu e o Pedro, depois de olharmos esse imenso céu estrelado, noite permanente, sem Sol, na outra face da Lua... Íamos fugir.
Os preparativos começaram de imediato! Ver as rotinas dos monitores; os miúdos são ótimos para topar esse tipo de coisas, memorizá-las, compreender os tiques, os ritmos, as mudanças de acontecimentos mesmo a acontecerem a dezenas de metros dali ou em blocos e pólos diferentes que podem afectar, sem se conseguir explicar muito bem porquê, o percurso deles: é uma fricção no ar que se sente indelevelmente mesmo que não haja palavras para o descrever nós sabemos que vai ser assim. Eu então tinha aguçado isso até um nível quase pré-cognitivo, entre o Pedro e eu (e o resto das crianças); mais uma particularidade da minha subversão (ou inteligência) que ia usar para pôr em prática o nosso plano, Sair não faz sentido dizíamos em conversas excitadas que saltavam em surdina abanando os braços e crispando as veias dos pescoços falando até ficarmos quase sem ar acompanhados pelo sorriso da ideia de termos a certeza que o plano ia resultar, Nós temos é de - exacto! Rebentar com isto tudo, mandar a instituição e as fundações disto todas abaixo, destruir isto primeiro e só depois fugir, levar toda a gente, os outros todos! Voltarmos à Terra já sem oposição. O ambiente soturno por vezes aparecia, como uma ameaça do que isto tudo poderia ser. Algo opressivo. Uma prisão no espaço. Mas a espaços só - temos doze anos e isto é o que é, é real, o que é real? E eu já tinha tirado a chave de um armário que só era deixado aberto enquanto uma das monitoras tirava outra chave para abrir a sua gaveta no frigorífico para tirar daí o lanche, e nós tirávamos outra chave que abria outra porta na qual tínhamos que entrar pela porta de serviço de um hangar que era formal e sem graças, mesmo a sério no kids allowed, com perigo de sermos presos ou até mesmo, quem sabe?, executados, para uma outra porta pesada que dava para uma zona de máquinas, e vapores, escadas de metal furadas, luzes ao longe,, entre a escuridão dessas zonas de serviço da estação não frequentadas por ninguém,, ao fundo, pisos abaixo, e o ar quente do poço lá em baixo vinha ter connosco e levantava-nos as farripas dos cabelos; mas não precisávamos de ir tão longe, não até ao fundo. Havia uma saída para a zona que queríamos onde então usaríamos a chave, uma das salas de computadores de serviço para o pessoal docente.
A estação girava com a Lua, perdida no meio do espaço. Tinha passado algum tempo entre as semanas, a suspeita de meses. Mas o tempo passa a correr mesmo passando tão devagar, ao ritmo das nossas vidas mais novas. Relembrava-me de inúmeras altercações nesse momento, com outros correctores e monitores. O sítio era opressivo, realmente opressivo. Foi só aqui, perto do fim, que senti a sua verdadeira natureza.

- É agora Pedro, disse-lhe eu, com um sorriso nos lábios, sentando-me à frente do computador numa cadeira vermelha.

Agora era ele que me olhava com expectativa enquanto eu introduzia comandos no computador para aceder à base de dados de todos os jogos feitos para a mega drive que havia.

- Jogos para a mega drive? que...? - nem sei se o tinha dito eu ou ele. Quase que nos esquecíamos, de tão incrível que era! Ali tínhamos nós todos os jogos que podíamos jogar da mega drive, mas não estávamos, não podíamos estar lá para isso. mas eu já estava a tratar disso. Com outro comando tirei todos os scripts e movimentos de monstros e inimigos de todos os jogos para automaticamente nos dar planos para destruir de facto aquele centro de detenção no espaço e num segundo, as informações começaram a jorrar do computador para os meus olhos e eu e o Pedro estávamos a perceber tudo. A revolução ia começar!
Até percebermos que (sempre assim!) uma das professoras nos tinha descoberto - só porque tinha aberto a porta, no preciso momento em que eu e o Pedro, ao olharmos para o som da porta a abrir-se e ainda antes de vermos quem poderia vir - o que seria indiferente - percebemos que era tarde demais: quem quer que fosse. Professora ou monitor. Educadora ou corrector. Director ou adjunto. A revolução já tinha começado, e já sabíamos tudo. E íamos usar o poder e o conhecimento dos jogos todos da mega drive para deitarmos aquilo tudo abaixo com uma pinta de fácil; inevitável até! - e sairmos dali num foguetão ou vaivém qualquer, pensava-se depois no resto do plano?
Mas será que eu e o Pedro conseguimos sair mesmo daquele sítio tão estranho num foguetão ou num vaivém, deixando para trás as ruínas de uma inteira estação espacial/centro de correcção na outra face da Lua?
Claro que...
Isso é outra história...

4 comentários:

S. disse...

Vim confirmar, ele já está cá para ler à hora de almoço. e não vai a lado nenhum.

S. disse...

=) mais sonhos! mais sonhos!

Tigre Azul disse...

Eu escrevo mais, está prometido!

Lucas Armendani Barbosa disse...

Caro Sr. Tigre Azul,

Esta história mete muito suspense e agora tenho vontades de ler o resto. Parece-me também que merecia estar em papel, com tinta viscosa preta que é transferida de um conjunto de tipos de chumbo para a folha vezes sem conta até toda a gente se sentir como eu me senti ao lê-la. Mas agora não que já tou com sono, apesar disto tudo ser muito valoroso.

A bem da nação,

Puta